Meu último Samurai
Pensei muito em escrever um texto, uma homenagem a esse meu amigo. Mas achei tudo muito pessoal, achava que seria injusto expor minhas feridas aqui no O Taboanense. Porém, só quem gosta de lidar com as palavras sabe que quando uma ideia, nesse caso uma angustia, está incomodando tanto, precisa ser expurgada de dentro da gente.
Foto: arquivo pessoal
Tempos de criança: eu, meu irmão Beto e meu amigo Edson, em setembro de 1987, no Playcenter
O que vem a seguir é algo pessoal, que torno público pela paixão que tenho pela memória da minha infância e dos meus amigos. Não queria que meu texto fosse interpretado como um lamento, mas sim com uma canção de amor pela vida. Porque foi sempre assim que vivemos e são essas memórias que nos fazem tocar as coisas pra frente.
Moro em Taboão da Serra desde os quatro anos e conheci um japonesinho chamado Edson Miashiro aos nove, importado de Miracatu. De lá pra cá, muitos anos voaram, tivemos muitas histórias em comum e outras tantas incomuns. Crescemos juntos no Bagatelle, um dos prédios mais antigos da cidade, encravado no coração de Taboão.
Foi ali que formei meu caráter e ao lado do Edson descobri muitas coisas que a vida esconde como se fossem segredos, entre elas a amizade. Tínhamos uma turma pequena, mas unida. Tão unida que hoje não imagino onde estão cada um de meus melhores amigos. O Heyder, dizem, foi morar no Sul. O Rodrigo, carinhosamente e injustamente apelidado de Bola, parece que se casou e seu destino é tão incerto quanto nosso futuro. E o Edson, que de todos era o que estava mais longe, e ao mesmo tempo o mais próximo, era o único que eu mantinha contato.
Dando um salto temporal nesse texto, nossa infância e adolescência foram mágicas, uma época em onde não existiam preocupações, indecisões ou arrependimentos. A vida pulsava, as ideias, as brincadeiras, as gargalhadas, tudo era tão normal que até parecia injusto: nós éramos felizes, tínhamos todo tempo do mundo. Nós quatro nos metemos em tantas roubadas, tantas histórias inconcebíveis, que hoje bate aquela saudade de um tempo onde realmente a vida era plena.
Juntos, sempre juntos, nossa turma conheceu o amor, o ódio, a alegria e a guerra. Passamos juntos pela adolescência (que tempo difícil, quantos conflitos), chegamos a vida adulta e nos deparamos com uma realidade que não era nossa, mas tarde demais, era hora de encarar o mundo que se impunha pela força do tempo.
A idade não perdoa, o tempo continua implacável. Crescemos, mudamos nossos sonhos e utopias. Andamos por caminhos que nunca planejamos e nem a mais fértil imaginação poderia desenhar um futuro como o nosso hoje. Na última vez em que nos encontramos, quando visitou a família no Brasil, lá no Bar Léo, na Aurora, entre um chope e outro, entre uma gargalhada e outra, meu amigo brindou: “como a vida é boa”, disse com aquele sorriso que sempre marcava sua paz oriental. Ninguém podia imaginar.
Se o Corinthians vai ter estádio, se o Santos vai ser campeão, quem a Dilma vai nomear como ministro, se o dólar vai cair ou subir, se a cerveja vai estar gelada… Nada mais importa. Nada. O meu amigo morreu em um acidente estúpido.
São de despedidas que se faz a vida.
Edson, por todas as risadas que demos juntos, por todas as enrascadas que nos metemos, por todos os sonhos compartilhados, pelo apoio e pelas críticas, pelas palavras de carinho, de admiração e de revolta, só posso dizer, aqui, sozinho, uma coisa… Arigatô!
PS1: O artigo foi escrito em outubro e só publicado agora
PS2: O título é do poeta Sérgio Vaz