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Meu último Samurai

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Redação

07/12/2010 00:00
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Há cerca de 20 dias recebi uma notícia que seria uma das mais tristes da minha vida. Um amigo meu, de infância, tinha morrido em um acidente de moto no Japão. Em situações como essas talvez seja normal que nós façamos uma reflexão, aquela velha história de pensar em algo que todos vamos ter que encarar. Mas nunca assim, dessa forma tão violenta, tão injusta e fria.

Pensei muito em escrever um texto, uma homenagem a esse meu amigo. Mas achei tudo muito pessoal, achava que seria injusto expor minhas feridas aqui no O Taboanense. Porém, só quem gosta de lidar com as palavras sabe que quando uma ideia, nesse caso uma angustia, está incomodando tanto, precisa ser expurgada de dentro da gente.

Foto: arquivo pessoal

Tempos de criança: eu, meu irmão Beto e meu amigo Edson, em setembro de 1987, no Playcenter

O que vem a seguir é algo pessoal, que torno público pela paixão que tenho pela memória da minha infância e dos meus amigos. Não queria que meu texto fosse interpretado como um lamento, mas sim com uma canção de amor pela vida. Porque foi sempre assim que vivemos e são essas memórias que nos fazem tocar as coisas pra frente.

Moro em Taboão da Serra desde os quatro anos e conheci um japonesinho chamado Edson Miashiro aos nove, importado de Miracatu. De lá pra cá, muitos anos voaram, tivemos muitas histórias em comum e outras tantas incomuns. Crescemos juntos no Bagatelle, um dos prédios mais antigos da cidade, encravado no coração de Taboão.

Foi ali que formei meu caráter e ao lado do Edson descobri muitas coisas que a vida esconde como se fossem segredos, entre elas a amizade. Tínhamos uma turma pequena, mas unida. Tão unida que hoje não imagino onde estão cada um de meus melhores amigos. O Heyder, dizem, foi morar no Sul. O Rodrigo, carinhosamente e injustamente apelidado de Bola, parece que se casou e seu destino é tão incerto quanto nosso futuro. E o Edson, que de todos era o que estava mais longe, e ao mesmo tempo o mais próximo, era o único que eu mantinha contato.

Dando um salto temporal nesse texto, nossa infância e adolescência foram mágicas, uma época em onde não existiam preocupações, indecisões ou arrependimentos. A vida pulsava, as ideias, as brincadeiras, as gargalhadas, tudo era tão normal que até parecia injusto: nós éramos felizes, tínhamos todo tempo do mundo. Nós quatro nos metemos em tantas roubadas, tantas histórias inconcebíveis, que hoje bate aquela saudade de um tempo onde realmente a vida era plena.

Juntos, sempre juntos, nossa turma conheceu o amor, o ódio, a alegria e a guerra. Passamos juntos pela adolescência (que tempo difícil, quantos conflitos), chegamos a vida adulta e nos deparamos com uma realidade que não era nossa, mas tarde demais, era hora de encarar o mundo que se impunha pela força do tempo.

A idade não perdoa, o tempo continua implacável. Crescemos, mudamos nossos sonhos e utopias. Andamos por caminhos que nunca planejamos e nem a mais fértil imaginação poderia desenhar um futuro como o nosso hoje. Na última vez em que nos encontramos, quando visitou a família no Brasil, lá no Bar Léo, na Aurora, entre um chope e outro, entre uma gargalhada e outra, meu amigo brindou: “como a vida é boa”, disse com aquele sorriso que sempre marcava sua paz oriental. Ninguém podia imaginar.

Se o Corinthians vai ter estádio, se o Santos vai ser campeão, quem a Dilma vai nomear como ministro, se o dólar vai cair ou subir, se a cerveja vai estar gelada… Nada mais importa. Nada. O meu amigo morreu em um acidente estúpido.

São de despedidas que se faz a vida.

Edson, por todas as risadas que demos juntos, por todas as enrascadas que nos metemos, por todos os sonhos compartilhados, pelo apoio e pelas críticas, pelas palavras de carinho, de admiração e de revolta, só posso dizer, aqui, sozinho, uma coisa… Arigatô!

PS1: O artigo foi escrito em outubro e só publicado agora
PS2: O título é do poeta Sérgio Vaz

 

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