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“Minha filha era apaixonada pela vida”

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Redação

19/08/2009 00:00
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No quarto vazio a gata Loira passa freneticamente as unhas na porta do guarda-roupa. Carlos interrompe a entrevista, enxuga as lágrimas e diz que sabe o que o bichinho quer. Ele vai até o pequeno quarto que fica nos fundos do apartamento no condomínio Mirante, no Jd. Maria Rosa, e abre a porta do armário. A gata pula no meio das roupas, se ajeita em uma blusa de inverno e fica ali, como se estivesse matando longas saudades.
 
O quarto ainda está intacto, com as fotos de amigos pregadas na parede, com os bichinhos de pelúcia cuidadosamente arrumados na prateleira e o celular plugado no carregador. É como se nada tivesse acontecido. E é assim, com boas lembranças, que Carlos e Simone, pais da jovem Mariana, de apenas 20 anos, uma menina bonita, cheia de amigos, que cursava pedagogia, querem lembrar-se da única filha.
 
Mariana foi a primeira vítima fatal da gripe suína em Taboão da Serra. Em 13 dias, a doença levou uma menina saudável para a cama de uma UTI e mudou a vida de uma família tipicamente taboanense. “É a fé que dá suporte pra gente. É difícil perder uma filha. A Mariana era apaixonada pela vida”, diz o pai Carlos, sentado no sofá de sua casa no último sábado, dia 15, quando recebeu a reportagem do Portal O Taboanense.
 
Entre um cigarro e uma xícara de café, Carlos fala sobre sua filha, dos sonhos que a jovem cultivava, os medos e desejos típicos de uma garota de 20 anos. “Ela nunca trabalhou, pra nós era importante que ela se dedicasse aos estudos e as notas dela sempre eram nove ou 10”, diz o pai que trabalha como gerente de postos de gasolina.

Foto: Reprodução

Mariana, em foto postada em sua página pessoal no Orkut

 
Mariana sempre morou e estudou em Taboão da Serra. Quando criança iniciou sua educação na Emi Narizinho, depois ingressou no Domingos Mignoni e se formou na escola Wandick de Freitas, onde fez uma turma de amigos que se reuniam praticamente todos os dias.
 
Há dois anos Mariana passou no vestibular para Pedagogia na Uniban, onde estava no segundo ano do curso. Por uma dessas coincidências que só a vida pode explicar, Simone, sua mãe, passou a dar aulas para a mesma turma em que a jovem Mariana estava. “Era muito divertido”, lembra a mãe e professora.
 
Por onde se olha no apartamento da família Moreira é possível perceber a fé que norteia toda a história dos pais e da filha. Espíritas, Carlos e Simone acreditam que Mariana cumpriu sua missão na Terra. “O corpo é uma matéria, estamos aqui para cumprir uma tarefa”, diz Simone.
 
A luta de Mariana
 
A dor da família e dos amigos é mais do que compreensível. A forma como a doença age é que não é. Mariana era uma menina saudável, não apresentava nenhuma complicação de saúde. De acordo com o pai, no dia 25 de julho, ela começou a espirrar e apresentar sintomas de gripe.
 
Mariana tinha uma viagem marcada com um grupo de amigos. Cerca de 35 jovens foram para Itu, interior paulista, onde passariam o fim de semana em um sítio. No domingo, dia 26, começou a febre, cerca de 38º C, e muita tosse. Já em casa, os pais levaram a jovem para o hospital Alvorada, em Moema. Mariana foi diagnosticada, os médicos tiraram um raio-x do seu pulmão e ela recebeu alta.
 
“O pulmão dela estava limpo, não tinha nada. Receitaram apenas Novalgina e Paracetamol. Só foi recomendado que ela ficasse em repouso e tomasse muito líquido”, diz a mãe. A família voltou para casa e seguiu a risca as recomendações médicas.
 
Na terça-feira, assim que acordou, Mariana começou a sentir falta de ar. Os pais se preocuparam e resolveram levar a filha até o Hospital Itacolomy (antigo Iguatemi) na av. Francisco Morato. Os médicos realizaram alguns exames e resolveram isolar a jovem, que passou a noite na sala de consultas. Mariana também estava com dor no corpo e diarréia.
 
“Na manhã seguinte a médica pneumologista chegou e disse que a Mariana seria internada, perguntei em que quarto ela ficaria e a médica me respondeu que ela ficaria na UTI. Cai pra trás”, confessou o pai. Um novo raio-x veio revelar algo preocupante: 60% dos dois pulmões da jovem estavam severamente comprometidos.
 
Imediatamente Mariana começou a ser tratada como paciente de gripe suína, mesmo sem a confirmação dos exames, que foram feitos pelo Instituto Adolfo Lutz. Horas depois, a primeira dose do antiviral Tamiflu começou a ser dosada para a jovem. Carlos e Simone estavam apreensíveis quando viram a filha pela primeira vez na UTI. Ela estava respirando com a ajuda de uma máscara de oxigênio e mesmo assim tinha dificuldade de respirar.
 
No dia seguinte, a junta médica chamou os pais e avisou da gravidade da doença. “O médico nos disse que ela seria entubada e ficaria em coma induzido. Foi um choque”. Os pais foram falar com a filha na visita das 20h30, ela já sabia que seria colocada em coma. “No dia seguinte era o meu aniversário, ela disse que queria me dar os parabéns antes porque estaria dormindo no dia. Foi a última vez que vi a minha filha viva”, conta o pai.

Foto: Reprodução

Mariana, em foto postada em sua página pessoal no Orkut

 
Mariana foi entubada, passou a receber oxigênio direto nos pulmões e a cada dia que esteve em coma induzido lutava contra a doença. “Tínhamos os pés no chão, sabíamos que o caso era grave”, lembra Simone. Os pais passaram a ser monitorados pela Secretaria de Saúde de Taboão e apesar do contato com a filha, não apresentaram nenhum sintoma da doença.
 
No sábado, dia 8, Mariana apresentou um pequena melhora. “Foi um sinal de esperança”, lembrou o pai. Com os pulmões muito comprometidos, Mariana começava a dar sinais de que não resistiria. No domingo seu quadro passou a ser crítico e na segunda-feira, dia 10, ela sofreu uma parada cardio-respiratória e faleceu.
 
“A gente agradece muito pelas pessoas que oraram pela melhora da Mariana, ela lutou muito e muitas pessoas estavam torcendo pela melhora dela. Sabemos de pessoas que se reuniam na hora do almoço para rezar pela saúde dela e nós agradecemos de coração o carinho que recebemos de todos”, lembra a mãe.
 
Nesta segunda-feira, dia 17, no Santuário Santa Terezinha, a Missa de Sétimo Dia de Mariana reuniu amigos, parente e os familiares mais próximos. Segundo Simone, o orkut da jovem continuará no ar, recebendo mensagens de carinho que não param de chegar. “Estamos lendo todos os recados e isso nos ajuda a confortar”.
 
No quarto silencioso onde Mariana passou seus 20 anos de vida, suas paixões afloram por todos os cantos. A bandeira do Corinthians, o laptop com adesivos coloridos, muitas recordações de amigos, a gata que ainda dorme no meio de suas roupas buscando o cheiro da dona, cds, dezenas de fotos e imagens que professavam a sua fé no Espiritismo e em Jesus Cristo. Vestígios de uma vida que pulsou em intesidade elevada e deixou centenas de amigos cheios de saudades e perplexos com tudo o que aconteceu.
 
A reportagem do Portal O Taboanense foi autorizada pela família a utilizar o nome de Mariana e ilustrar a reportagem com as suas fotos que estão no Orkut.

 

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