Deixo-vos a paz, a minha paz vos dou
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Norteada pela ingenuidade tentei mais de uma vez usufruir daquilo que eu disponha no momento. O telefone a muito já havia sido descartado, o número que eu estava tentando discar estava ocupado e, quando a insistência parecia dar certo, a única voz que eu conseguia ouvir do outro lado da linha me dizia para tentar mais tarde. Apostar em um vídeo seria a chave, minha essência infla com a possibilidade de atrair atenção o, porém, todavia, surge, a voz que ouço ao fundo não me diz para tentar mais tarde e sim para desistir, aquilo seria tão útil quanto o telefonema o fora, não traria resultado. Indignação? Abandono? Injustiça? Na confusão de sentimentos, eu tentava direcionar meu pensamento e o eco que me consumia por dentro era uma interrogação, um questionamento que eu percebi que duraria uma vida. Seria a consideração algo utópico aqui?
A fonte de minha iniciativa esta ao lado de fora da casa, o fenômeno acústico em evidência naquele momento, conseguiu extinguir do espaço qualquer tipo de ordem e sossego. Pensando nisso e na plena vigência das liberdades individuais eu me questionava: quando a liberdade daqueles que se manifestam livremente gera desconforto aqueles que estão dentro de seus lares, esta ação deveria ser classificada como uma transgressão grave desse direito, não deveria?!
O que vejo agora são pessoas dançando envolta de uma chama no chão da rua, os carros produzindo ruídos ainda piores, as músicas retratando o que a de mais sórdido no mundo, e elas dançam, sorrindo, zombando de quem vê pelas frestas de uma janela. E não é difícil saber a opinião de todos os que estão envolto por aquela folia, para eles aquilo é algo formidável! É o que elas se prestam a curtir para ser integrante de um grupo. Desisto de gravar a cena, e me pergunto de novo por que sinto esta indiferença, esta inópia de recursos, essa urgência de decoro?
Inocência é algo tão brilhante que sinto meus olhos vendados como o de Diké, não com o objetivo de imparcialidade como o dela, mas, pelo fato de que essa inocência não me permitia visualizar a certeza que todos tinham de que ninguém iria parar aquilo, eu não conseguia ver os lados B e C dos danos que são facilmente aceitos pelo todo. A justiça talvez exista aqui, retraída no escuro, corrompida, impotente. Diante da ausência de recursos, me recordo de Thomas Morus ou de uma frase que lhe é atribuída; se o governante submete o seu povo a uma má educação e as maneiras são corrompidas na infância e ainda assim os castigas por aqueles crimes onde a educação os confinou, o que mais podemos concluir além do fato de que cria infratores para depois puni-los?
Hoje, como tantos e tantos outros que vivem em Taboão da Serra, fui envolvida, tendo minha privacidade invadida por sons oriundos de carros de alta potência, evidenciando músicas com apologia a sexualidade, depreciando mulheres (muitas delas em concordância com frases deste tipo, sobre o embalo das letras) defendendo o uso livre de drogas, além do consumismo barato (por que para ser bom neste grupo a necessidade é “ser dono de”, não importando os meios para se obter esse status de “pessoa digna de estima e valor”), o som dominou a vizinhança de uma aresta a outra por boa parte da madrugada, o número de emergência estava ocupado. E veja só! A continuidade dessa folia volta a acontecer em datas nem sempre definidas, claro, mais que já deveriam ser consideradas datas dignas de importância, um feriado nacional: Dia de zombar da lei e da ordem.
Por Natália Oliveira Torres Santos, moradora de Taboão da Serra