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Artigo: Não há cura para o que não é doença

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Redação

23/07/2017 07:41
Eduardo Toledo
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Por Wanderley Bressan

Nos últimos dias temos acompanhado por diversos veículos de comunicação e pelas redes sociais uma forte repercussão acerca da decisão liminar proferida pelo Juízo da 14ª Vara Federal da Seção Judiciária do Distrito Federal, a qual teria autorizado psicólogos a desenvolverem terapias de “reorientação sexual” a pessoas homessexuais, prática conhecida popularmente como a “cura gay”.

Logo de início, é importante recuperar alguns fatos históricos e de avanço científico que desmistificam e afastam qualquer associação da homossexualidade à patologias. Em 1973, a Associação Americana de Psiquiatria retira a homossexualidade da lista de transtornos mentais. Em 1975, a Associação Americana de Psicologia adota a mesma posição, orientando os profissionais a não mais patologizarem a homossexualidade de seus pacientes. Em 1985, o Conselho Federal de Psicologia brasileiro, antes mesmo da Organização Mundial de Saúde (OMS), adotou o entendimento de que homossexualidade não é doença.

Por fim, em 1990, a OMS retira homossexualidade da lista de doenças. Vale a pena ressaltar também que em 1935, Freud (o pai da psicanálise) recebeu uma carta da mãe de um garoto homossexual, pedindo que seu filho fosse “curado pelo psicanalista”. Em sua resposta, Freud é incisivo ao dizer que a homossexualidade “não pode ser qualificada como uma doença e nós a consideramos como uma variante da função sexual”. Dito isso, é fundamental ressaltar que a ciência é convergente neste quesito. A sexualidade humana é diversa, plural e livre. Deste modo, a orientação sexual das pessoas é fruto de experiências sociais e não há qualquer elemento biológico ou científico que aponte a heterossexualidade como a única forma legítima de se viver a sexualidade.

A decisão do juíz representa um equívoco científico, jurídico e social. Primeiro porque um juiz federal não tem o poder de incluir uma categoria diagnóstica na Classificação Internacional de Doenças (CID) da OMS. Segundo porque mexer com o desejo sexual de uma pessoa é uma manobra arriscada e diversos estudos e relatos históricos mostram o grande perigo para a saúde mental de pessoas que se submetem a tais práticas de reversão ou reorientação sexual. Há um alto índice de suicídio de pessoas que se submeteram a tais práticas pelo mundo. Além do mais as técnicas utilizadas, com base simultaneamente na psicologia comportamental e na orientação moral de base religiosa, são práticas de tortura psicológica e por isso não são permitidas no exercício da psicologia pelo seu órgão regulador, o CFP. Estudos vastos apontam para uma total ineficácia de qualquer tentativa terapêutica de “reorientação sexual” e, estão disponíveis no site do CFP (http://site.cfp.org.br/).

Não voltaremos ao armário! O armário é cheio de poeira e eu tenho rinite

Estamos diante de uma séria ameaça aos direitos humanos e aos direitos da população LGBT. É impossível ignorar que os autores desta ação popular mantêm forte vínculo religioso com igrejas fundamentalistas (que nem de longe representam a seriedade do cristianismo e do movimento evangélico íntegro). Além disso, o principal alvo destas torturas, disfarçadas de terapia, não serão gays e lésbicas bem resolvidas e, sim, adolescentes e jovens que serão levados por seus pais (como aconteciam nos manicômios da década de 1930).

Por fim, tal decisão judicial, além de já estar sendo submetida por um desmonte técnico-jurídico, tem abordagem invertida. A HOMOFOBIA É QUE DEVE SER TRATADA. O sofrimento de adolescentes e jovens homossexuais é fruto da homofobia enraizada em nossa sociedade, que desde a infância deixa marcas emocionais e físicas nas pessoas homossexuais. Lembro-me desde muito cedo da variedade de xingamentos, ofensas e agressões que sofri por primos, vizinhos, colegas de classe e professores ao longo da minha infância. E o quanto doía perceber que eu era homossexual.

Eu era aquilo que todo mundo tirava chacota, eu era aquela aberração que todos faziam questão de exaltar. Não haveria sofrimento se não houvesse a homofobia. Não haveria sofrimento se minha família e escola, desde muito cedo, tivesse o entendimento de que a homossexualidade é uma variação legítima da sexualidade humana. O meu sofrimento foi e é o sofrimento de diversos homossexuais ainda hoje. A homofobia é a verdadeira doença que necessita de tratamento; é ela quem agride, persegue e mata pessoas. Enquanto o amor for considerado um problema, ainda teremos muito o que evoluir enquanto sociedade.

 

Wanderley Bressan, 29 anos, é presidente da Parada do Orgulho LGBT de Taboão da Serra, bacharel em Relações Públicas (UNISA), pós-graduado em Gestão Pública (FESP-SP), pós-graduado em Gênero e Diversidade na Escola. Graduando em Direito (FMU).

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